Certa vez uma professora da graduação (Maria Inês Badaró) disse em sala de aula que nós, psicólogos, precisamos de exercícios para nos sensibilizarmos diante da vida, que se apresenta a nós de maneira tão dura e absurda, e pode fazer com que normalizemos os fatos que a nós se apresentam. Na ocasião não achei algo muito relevante, pois aos 18 anos a revolta adolescente ainda dominava minhas emoções.
Após alguns anos, já com alguns calos do mercado de trabalho, em meio a uma rotina de processos e procedimentos, passei a fazer uma análise do meu cotidiano profissional, e notei que em muitos momentos o “fazer automático” se colocava à frente da análise e do olhar para o outro.
Não me formei para ser um robô. Decidi mudar minha forma de agir e fazer.
Vejo isso em muitas outras profissões, que não apenas a minha. Recepcionistas, secretários, vendedores, médicos, arquitetos, dentre outros, olhando para seus clientes / pacientes como procedimentos, e não como gente que somos.
Entro no setor de Departamento Pessoal e ouço um atendente para um colaborador da empresa: “isso não é da nossa alçada, é responsabilidade do plano de saúde. Não posso fazer nada”. Esse profissional está pensando enquanto procedimento. Que tal um “Vou anotar para você o contato o plano de saúde, e a pessoa de interface com a nossa empresa”. Parece pouco, mas faz toda a diferença.
O cotidiano nos endurece e nos dessensibiliza pouco a pouco, mas como evitar ser um pedaço de mármore?
- Autoanálise. Parece tão fácil ver o que o outro faz corretamente e o que ele tem a melhorar, mas que tal fazer isso pensando em si próprio. Ter um momento para se avaliar, pensar em si, e criar planos de ação. Pode colocar no papel, ou apenas praticar mentalmente, mas é importante não deixar de praticar.
- Fazer o que gosta. Todos têm algo que fazem com prazer, seja em casa ou no trabalho. Eu demorei para descobrir algo para mim, pois não tenho habilidade com arte ou música, que foram as primeiras tentativas. Hoje descobri meu prazer na musculação, escrita, e culinária
- Momento pessoal. Sabe aquele momento em que tudo o que a gente precisa é sermos nós mesmos? De cabelo penteado ou sem, de salto alto ou descalço. O volume na caixa de som pode ser elevado por alguns minutos, e podemos até fazer da colher de pau um microfone, e do sofá um palco. Alguns amigos podem ser plateia, ou como testemunhas apenas as paredes do apartamento. Quem sabe Beethoven ambiente, com iluminação suave, uma poltrona confortável, olhos fechados ou fixados em Machado de Assis. O momento é pessoal, e cada um tem o seu, mas é importante que eventualmente criemos um momento nosso. Vivemos em meio a tanta gente e tantos estímulos (especialmente em tempos de redes sociais), que precisamos lembrar a nós mesmos quem somos.
- Arte. Alguns tocam instrumentos, pintam, escrevem, outros apenas apreciam. A arte é uma simbolização das características humanas muitas vezes ocultas e inconscientes. O contato com a arte nos aproxima de nós e do outro.
Sejamos gente em alguns momentos, em nossa carne, osso e fragilidade.
Em alguns momentos, temos dificuldade em nos encontrarmos. Algumas pessoas se desligam, e depois de um tempo não se reconhecem em si próprias. Nesses casos, indico buscar um profissional de psicologia para apoiar nessa busca.