Prefiro falar de comportamentos abusivos do que relacionamentos ou pessoas abusivas. Um relacionamento ou uma pessoa são muito mais do que abusivas, são muitas outras coisas boas e ruins. Os efeitos desses comportamentos, no entanto, despotencializam os envolvidos.
Os casos precisam ser avaliados, pois a pessoa pode apresentar esses comportamentos em momento específico e depois deixar de ter (que não dá a essa pessoa o direito de exercer tais comportamentos), ou pode haver traços em sua estrutura psíquica, e esses comportamentos serão recorrentes.
O que são comportamentos abusivos?
Comportamentos abusivos são aqueles em que um dos pares exerce poder sobre o outro, como se fosse mesmo o proprietário. São apresentados como manifestações de violência psicológica ou física, constrangimentos e humilhações.
É diferente de quando o sua parceira te vê conversando com seu ex, e fica com uma pulga atrás da orelha.
Quem pratica comportamentos abusivos?
Homens e mulheres podem ter comportamentos abusivos, embora seja muito mais difundidas informações desses comportamentos por parte dos homens.
Isso porque comportamentos abusivos por parte dos homens envolvem geralmente questões de gênero, ou seja, nossa sociedade machista acredita que a mulher é submissa e culpada, o cristianismo considera o feminino culpada pela origem do pecado, ou seja, há algo muito maior. Mas essa questão de gênero, embora tenha muito a ver, deve ser abordada em outro momento.
Os comportamentos abusivos não estão necessariamente envolvidos com questão de gênero, embora possa ser um fator.
Quais são as consequências de comportamentos abusivos?
As consequências podem ser drásticas, por isso é importante ficar atento. Esses comportamentos deterioram qualquer tipo de afeto, de forma que outros fatores que mantêm o relacionamento, como sentimento de inferioridade ou dependência, desenvolvimento de patologias como transtorno de pânico, depressão e ansiedade, ameaças, agressões físicas, assassinatos.
Comportamentos abusivos que já vi e vivi
- Ciúmes, possessividade e necessidade de controle. É o principal indício de comportamentos abusivos.
Trabalhei com uma mulher que vivia em um relacionamento com essas características. Até então ela trabalhava na loja da mãe, mas quando ela mudou de cidade para entrar na empresa eu vi de perto o que ela sofria diariamente.
Seu namorado telefonava durante todo o expediente, 6, 7, 15 vezes. Houve um dia em que ela, envolvida em um processo seletivo grande, conduzia um número grande de entrevistas com um gerente, e não atendeu a algumas dessas chamadas; o namorado deslocou-se da cidade dele, cerca de 70 km, e apareceu no escritório.
Fui eu quem o atendi, e vi que ele estava exaltado, pois fazia mais de duas horas que ele não tinha notícias dela, “só pode que ela está me escondendo alguma coisa”. Ele queria o tempo todo falar com ela, até o momento em que houve uma pausa nas entrevistas e minha colega foi tomar um café, acompanhada do gerente, e eles passaram pelo namorado. Ele mudou completamente a expressão, apresentou-se ao gerente, sorriu, super simpático, etc.
Quando o gerente voltou para a sala, minha colega e o namorado simplesmente desapareceram do café, foram embora sem que víssemos, e só tivemos notícias dela no dia seguinte, com o rosto inchado de choro. Rosto esse que vi inúmeras vezes no período que trabalhamos juntas.
- Superioridade e imposição da inferioridade do outro.
Uma gestora que conheci em uma das empresas que trabalhei, superintendente da área, respondendo diretamente ao presidente da empresa. Mulher forte, batalhadora, inteligente, e todas as características necessárias para atestar sua competência.
A primeira vez que tivemos contato fora da empresa, notei algo estranho no discurso dela. Sempre que ela falava de seus melhores momentos profissionais, ela citava como o marido dela estava aquém de sua posição. Isso o tempo todo em sua fala. Depois notei esse mesmo tipo de discurso em algumas reuniões, quando ela, diante de um elogio ou conquista, dava um jeito de ressaltar o que ela considerava que era fraquezas no marido. Difícil imaginar?
“Fulana, você mandou muito bem. Economizamos x mil reais com essa sua percepção. Parabéns!”. E a resposta dela: “Obrigada. Agradeço a todos, minha equipe trabalhou muito para me ajudar. E viram só, vamos sair para comemorar, podem levar as esposas e maridos. Meu marido não deve ir, ele não dá conta nem de conversar no nosso nível. Espero pelo menos que ele esteja acordado quando eu chegar, porque preciso né”.
As pessoas em volta ficam constrangidas. Mas quando estive pessoalmente com esse casal foi ainda pior. O marido se policiava o tempo todo para participar de alguma conversa, observando sempre a expressão de permissão ou não da esposa. Em alguns momentos ele falava algo, e ela, em seguida, falava em seu tom imponente “meu marido é burro, não deem ouvidos”, isso sem contar com o sarcasmo constante, e quando ela ria dele pelas costas. Eles eram casados há cerca de 20 anos.
- Comportamento agressivo (físico)
Lembro aqui de algumas cenas de filmes, em que um par joga objetos no chão e lança coisas em direção ao outro. Seria da ameaça à concretização de agressão física.
A ameaça pode tanto ser verbal, quanto gestos, como o citado, com intuito de intimidar.
- Manipulação
Seria algo como fazer jogos, fazer a pessoa acreditar que a culpa é dela, coloca a pessoa em situações em que ela precisa pedir permissão (ou dinheiro), proíbe de pertencer a um grupo de amizades, a conversar com algumas pessoas ou até mesmo de trabalhar. Mas não é apenas a proibição como imposição, mas fazendo jogos emocionais, a ponto de a pessoa acreditar que realmente precisa fazer daquela forma.
Uma amiga de infância teve seu primeiro namorado, ali mesmo na rua onde morávamos. Éramos bem jovens, ela tinha 14, eu 15, todos da mesma igreja na época. O namoro deles era consentido pelos pais e outros membros da igreja, tudo dentro do padrão. Com o tempo ela já não saía mais com nosso grupinho de amigas, nem com as amigas da escola, deletou o orkut, mudou a forma de se vestir, e praticamente não a víamos mais. Após três anos de relacionamento, após uma agressão física, ela deu basta e terminou o namoro que infância com cara de caso de polícia.Ela revelou que esse distanciamento das amizades foi imposto por ele, as roupas mais curtas e justas foram abandonadas porque ele dizia que era coisa de puta, e muitas vezes a tratava por puta, especialmente quando ela tentava se impor em alguma coisa. E ele sempre dizia que era por amor e com amor. Inclusive a primeira vez deles, que foi imposta. O sexo entre eles sempre fora da vontade dele. Ela perdera o desejo dos hormônios dessa fase, e o sexo era uma tortura. Se ela dissesse que não queria, ele chorava dizendo que ela não o amava mais, de que ele realmente não a merecia, que ela era muito boa pra ele (manipulação).
Comportamentos abusivos nem sempre estão ligados a violência física.
Todos os envolvidos precisam de apoio para superar o que prende nesse tipo de comportamento, tanto a pessoa que exerce quanto a que sofre com isso, e terceiros que estão próximos (pais, filhos).
Os comportamentos abusivos são tão comuns que todo mundo já conheceu relacionamentos assim, ou viveu isso. Ou vive isso por muito e muito tempo.
Olhando de fora podemos pensar (julgar), “por quê ele não larga logo?”. Essas pessoas precisam de suporte. Nem tudo é tão simples para que está dentro da situação.
Se você conhece alguém, ajude, direcione, busque orientação, mas não seja omisso e conivente! Todos ali estão sofrendo.