Notas por uma psicoterapia não romantizada

O processo terapêutico é fundamental como um exercício de potência na direção do cuidado com pessoas. Isso não quer dizer que é “fofinho”, mas árduo. Trago a reflexão pela não romantização da psicoterapia, para que ela não esteja na mesma lista do skin care, manicure e sobrancelha, e entre na lista das lutas e potências de lutar.

É permitido sentir-se bem e satisfeita/o na psicoterapia, esse não é o ponto, mas meu intuito é trazer olhares à complexidade que envolve a prática clínica.

Acontece que a publicidade e o marketing em relação a fazeres de psicoterapia, pelo que tenho visto por aqui, se esforça em alimentar a fantasia de algo externo à pessoa que “resolva” a vida, com imagens de sorriso e corações, ou mesmo fotografia do analista em pose altiva (sobre o lugar do psicólogo na psicoterapia, vou dedicar um post a isso em outro momento).

Não há um agente “externo” que irá dar conta de uma vida – e nesse ponto não precisaria falar somente da psicoterapia, mas de outras práticas/pessoas também. Quem nunca ouviu por aí como uma atividade física “tirou” a pessoa da depressão e ansiedade? Nesse caso, não é essa atividade externa, mas os novos movimentos de vida da pessoa, que ela produz, que criam outros lugares possíveis.

Vamos pensar uma psicoterapia não romantizada? Segue a linha:

  1. O analista estará implicado no processo, mas não é um “herói”, “salvador” nem “mártir”.
  2. Os processos de psicoterapia podem ser comparados a verdadeiras jornadas, com as alegrias e angústias, os nós [e nós], percalços, peripécias e desfechos.
  3. Nos olhares da psicanálise junguiana, Stein (2019, p. 27-28), irá afirmar quatro estágios na psicoterapia; primeiro a pessoa em análise encontra em consciência com elementos sombrios da psique (inconscientes ou não), para dar novos sentidos, e; segundo, aos poucos, essa percepção consciente se expande, na medida em que; terceiro, adquire compreensão sobre seus processos; e por fim, passa por mudanças profundas, não meramente cognitivas, consigo mesmo e com o mundo. Stein também resume que a análise tira a pessoa do “automático” para que ela construa formas de liberdade para outras possibilidades (2019, p.28).
  4. O sofrimento, a raiva, a angústia, o medo e a solidão, são emoções comuns e legítimas, como alegrias, amores e satisfações, em qualquer espaço em que a vida pulsa, e também pode aparecer no setting da psicoterapia, que se torna mais um espaço da vida. A vida não pode se resumir a “hashtag plena”.
  5. A psicoterapia não deve olhar os sujeitos como individuais e universais (e isso é assunto complexo, para outro momento). Somos coletivos, culturais, sociais, e pessoais em nossas histórias. Os riscos de olhar para as pessoas como universais e individuais podem ser alguns, como: o de excluir toda uma problemática mais ampla que sustenta os sintomas da pessoa; de sustentar as origem de sintomas com crenças descabidas (ex.: mito do amor materno incondicional); promover a culpabilização do sujeito por suas questões que o escapam.
  6. Aragon (2007) irá abordar sobre várias perspectivas da ação clínica:

“A ação tende a aumentar o poder de afetar e de ser afetado” (p. 139).

“A ação implica uma amortização Isso deve envolver uma transformação, ou transdução…” (p. 141).

“A ação busca uma medida que não aniquile o ser. Para que o ser em devir cumpra todo o seu potencial…” (p. 142).

“A ação não visa à anulação do sofrer como um pulsar vital de acontecimentos incorporais. (…) A ação ético/clínica age visando a uma reorientação de fluxos que sustentam o viver” (p. 142).

Nota complementar: a popularização do conhecimento e acesso à psicoterapia é algo muito importante. Contudo, deve ser feito de forma ética e política, para que, de fato, seja acessível a quem precisa. Criar mitos e fantasias no conceito da psicoterapia poderá, por outro lado, afastar a possibilidade de acesso.

Não há romance nessa clínica, há muitas potências, lutas e forças.

Imagem resultado de encontros clínicos.
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