No mundo corporativo, já ouvi por várias vozes, gestores, palestrantes, empresários e técnicos, afirmando que a ansiedade é muito positiva para o melhor desempenho no trabalho.
(dizer que melhora o desempenho no trabalho não diz que beneficia necessariamente à pessoa)
Ansiedade remete a um emaranhado de crenças limitantes, temores e sintomas manifestados no corpo. Ansiedade é ligar a luz de alerta (e quando essa luz fica ligada com uma constância é sinal que há algo a se observar com atenção).
A meu ver, não há ansiedade boa. Existe, de um lado, ansiedade, e do outro lado, coisas que dizermos ser ansiedade mas não é. Algo que talvez se esbarre na hermenêutica e na etimologia.
Vou dizer o porquê não acredito em “ansiedade boa”.
Criar expectativa não é ansiedade, é expectativa.
E é natural que se tenha. Quando se está diante de um grande desafio, obstáculo, realização ou incerteza, criamos uma expectativa para que passe logo esse momento, ou para que o dia tão esperado chegue.
Isso é expectativa, não ansiedade.
Os noivos que esperam pelo dia da cerimônia matrimonial, eventualmente perdem a boa com algo que sai do planejado em relação à recepção dos convidados, ficam preocupados, aflitos, na expectativa de que tudo dê certo, que o tempo seja suficiente para preparar todos os detalhes. Expectativa, não ansiedade.
A empresa onde trabalha está anunciando uma série de demissões, devido ao cenário econômico. A expectativa de saber quem será desligado da companhia, cada um quer saber e constatar que o nome está ou não na lista de desligamentos, as contas pessoais passam diante dos olhos como um filme. Expectativa, não ansiedade.
Pensando nesses exemplos, fica mais fácil visualizar a diferença.
Ansiedade como “proteção instintiva”
Vi no YouTube pelos menos meia dúzia de entrevistas de profissionais dizendo que a ansiedade é boa para nos proteger diante dos perigos da vida.
Me assusto com isso.
Temos um tipo de hormônio e neurotransmissor chamado adrenalina, produzido pelas suprarrenais. Momentos estressantes estimulam a sua liberação, gerando uma hipertensão arterial, o coração acelera, as pupilas se contraem – o corpo entra em estado de alerta. O corpo aprende ao longo da vida em que momentos irá produzir esse efeito (o que representa perigo não é inato). Há pessoas que ativam essa “engrenagem” durante uma apresentação de trabalho, outra ao se deparar com uma barata.
Nada disso é ansiedade, não mecanismos biológicos/etológicos.
Ansiedade para aumentar produtividade… oi?
Essa sentença me causa palpitação e mal estar, de tanta preocupação.
Sim, vivemos nesse mundo que cobra muito, convivemos com cobranças laborais desde a idade escolar, o momento de escolha profissional, a busca pelo primeiro emprego, a conquista de um emprego/cargo melhor, a expectativa de se destacar. É uma cobrança com a qual convivemos cotidianamente, inclusive em sentenças como essa.
Quando escuto que a ansiedade boa aumenta a produtividade, eu logo vejo mais uma fonte de cobrança, uma voz por trás dizendo que o limite individual no que se refere à produção ainda é pouco diante da demanda, por isso, “aceite a ansiedade como boa, aceite a ansiedade originada por essa cobrança, pois ela é boa”.
Boa para aumentar a produtividade, talvez, em determinado momento. Boa para a pessoa, tenho muitas dúvidas em relação a essa produção de verdade.
Se eu for correr uma maratona, talvez eu consiga ir até o final, pois já treino há um tempo, embora nunca tenha participado de provas longas (são 42,195 km). Mas se eu correr com um cão faminto e bravo atrás de mim, as possibilidades de que eu conclua a maratona aumentas. Se uma pessoa com um revólver atrás de mim me acompanhar na prova, é bem provável que eu conclua a maratona, especialmente se a arma tiver munida e pronta para atirar.
Talvez o efeito de uma “ansiedade boa” seja semelhante ao exemplo da maratona. Mas o que acontecerá com o meu corpo e com a minha vida após essa prova, são outros 500.
O que diz a ciência?
Tomo emprestada [de novo] a voz de Dalgalarrondo (2008, p. 304), que diz sobre a ansiedade:
“O quadro de ansiedade generalizada caracteriza-se pela presença de sintomas ansiosos excessivos, (…) a pessoa vive angustiada, tensa, preocupada, nervosa ou irritada. Nesses quadros, são frequentes sintomas como insônia, dificuldade de relaxar, angústia constante, irritabilidade aumentada e dificuldade em concentrar-se (…) cefaleia, dores musculares, dores ou queimação no estômago, taquicardia, tontura, formigamento e sudorese fria”.
O que eu digo:
Conheça seus limites, respeite-os. Não deixe de conhecer-se e reconhecer-se. Respeite-se!
Sente que não está legal? Procure um psiquiatra e um psicólogo! Cuide de você.
Referências:
DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.
Excelente diferenciação entre ansiedade e expectativa. Ótimo texto!
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