Dia Internacional da Mulher: o que estamos comemorando?

Toda comemoração é importante, pelas conquistas que a mulher obtém, pelas possibilidades de conquistas individuais. Um brinde a isso.

Procuro neste texto, contudo, trazer luz a outras camadas para pensamos nesta data marcante, lembrada anualmente no mundo inteiro. (1) O dia internacional da mulher refere-se a lutas, desde sua origem até hoje, agora. (2) Ainda lidamos com violências de várias ordens. (3) Quando se fala em “empoderamento feminino”, isso fala de todas as mulheres? (4) As conquistas podem e devem ser exaltadas, mas, em hipótese alguma, poderiam reduzir o debate e omitir outras lutas presentes.

Esta data é um marco de luta, de urgências, e algumas destas, sinto pelo meu pragmatismo, ainda estão muito longe de serem revertidas em conquistas de direitos. Quando falamos, por exemplo, do direito em ser mulher, ainda é um lugar que não é para todas, quando mulheres trans, negras, indígenas, ciganas, periféricas, etc, parecem ficar às margens (ou fora) do que é ser mulher.

Ao falar dessas experiências de não ser, desse não-lugar, estamos falando também de violências.

Uma pausa: quando falo de experiências de violência, não estou me referindo apenas ao que o Estado reconhece pela legalidade instituída como tal. Amplio as experiências de violência para aquilo que o Estado não abrange em sua razão. Violências percorrem os caminhos de uma cultura, de práticas sociais, de padrões, de referências. Violências falam de uma cultura do estupro, ainda que não se consuma um estupro em vias de fato. Violências falam de formas de exclusão sociais que a lei não chamaria de racista ou sexista, pois o mecanismo de excluir é econômico, psicológico, de interdição de poder sobre o corpo.

Lutamos, nós todas, para sermos mulheres, ainda hoje em 2021. Lutamos para sermos donas de nossos corpos, de nossas vidas. Lutamos por estabelecer relações de cuidado. Ainda há muita luta para que a mulher sobreviva à cultura do estupro, que silencia e mata diariamente. Este é um ponto muito pesado, complexo, com múltiplas linhas que terminam por calar ou matar.

Os lugares de luta e conquista não são nem devem ser observados pela ótica da moral (certo x errado, bom x mau). Isso termina por impor à mulher um lugar estático, uma objetificação, um produto (o saudável é isso, o bom pra mulher é aquilo). As lutas ainda falam e vão remeter à liberdade e autonomia, no fim das contas. Muda-se o objeto, mas ainda é sobre cuidar desses lugares de existência.

Falar de lutas também não é um lugar individual, mas sempre serão coletivas. Não basta eu ter um direito, um acesso, ser uma exceção, por exemplo, quando toda uma sociedade ainda perpetua práticas violentas contra mulheres. ~aqui voltaria no primeiro parágrafo do meu texto para dizer que é válido comemorar, mas não é suficiente para pensar em lutas do 8M.

Considerando as persistentes violências, falar em empoderamento feminino torna-se um lugar de cautelas, em especial quando este olhar torna-se um produto, a venda de um modo de vida, uma figura de consumo. Não quero deslegitimar, mas ampliar o que seja empoderamento.

“[…] rompimento com a ideia universal da categoria de mulher (BERTH, p. 50)”

“Trata-se da antítese de uma visão liberal de um dimensionamento meramente individual de empoderamento (BERTH, p. 53)”

“É o empoderamento um fator resultante da junção de indivíduos que se reconstroem e desconstroem em um processo contínuo que culmina em empoderamento prático da coletividade, tendo como resposta as transformações sociais que serão desfrutadas por todos e todas (BERTH, p. 54)”

Quando questiono, portanto, se empoderamento é para todas as mulheres, a resposta é sim, desde que a gente amplie empoderamento para além de lugares de consumo, além de uma uniformização do conceito de mulher que parte de uma classe média branca, e além ainda de um lugar individual.

Falar de empoderamento exaltando conquistas individuais não coloca todas as mulheres nos mesmos lugares de partida, nas mesmas condições de conquista. E nossa sociedade neoliberal meritocrata estabelece esse lugar de conquista individual como regra, devolvendo aos demais sujeitos a responsabilidade de conquistas também, desconsiderando todas as discrepâncias, sem considerar o coletivo, as experiências de violências, as condições econômicas, sociais, culturais – sem considerar o básico.

Falar de empoderamento me remete também à autoestima, também pensando este lugar como uma produção coletiva. Muitas psicologias, ao longo da história da construção desse campo de saber, ignoram as produções coletivas e culturais. Se eu falo que autoestima é aceitar o corpo, eu falo de uma verdade para muitas mulheres, mas não trabalho a construção coletiva da norma de corpo ideal, fujo dessa discussão, e venho com produtos que vão te levar a uma aceitação (roupas e cosméticos para o corpo em outro padrão, terapias, etc), como se estivéssemos fora de um social que continua reproduzindo padrões e normas de corpo ideal.

Tudo isso é importante! A criação de novos espaços e possibilidades e fundamental. No entanto, mesmo estas novas possibilidades construídas ficam às margens.

O que algumas psicologias formam como conceito de autoestima apresenta fortemente uma experiência individual e genealógica. O que o mercado (pensar redes sociais como mercado e consumo) da mesma forma, mas pensando a criação de uma norma a ser seguida. Tanto a psicologia em sua história quanto o mercado apresentam uma autoestima que cria uma falta, que desencadeiam na venda de um produto ou serviço para sanar esta demanda imediatamente, para seguir uma norma.

Quando trago a importância das lutas, penso em movimentos dessas margens a outros lugares.

Portanto, vamos pensar autoestima além de usar maquiagem e criar um ideal de felicidade pronto para usar.

Vamos pensar resistências e enfrentamentos; não para residir às margens, mas para criar mobilidades. Das margens aos centros.

Lutas não têm efeitos imediatos, não são bem vistas em nossa sociedade (a sociedade que tem tudo, a mulher que é histérica e amargurada, mal-amada, e reclama demais). Lutas acontecem todos os dias, com efeitos impactantes de longos prazos, mas com conquistas diárias – coletivas e individuais.

Comemoremos, sim, as conquistas individuais, as exceções.

Não nos esqueçamos, porém, das lutas coletivas que persistem. O dia internacional da mulher é uma data política.

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